8.2.07

Lendo Nelson...



...descobre-se que no Brasil de hoje quase ninguém morre de amor ou tuberculose. Não se vêem mais chapeus nem virgens que deram um mal passo. Quando foi a última vez que você viu um rubor? Ou alguém se arremessar? Depois de Brasil e França, em julho último, ninguém se sentou no meio fio, a chorar lágrimas de esguicho. Estamos todos um pouco mais canalhas, como o Palhares, que não perdoava nem a própria cunhada. Ah, que falta nos faz suas obsessões. Seus personagens. Onde foram parar Oto Lara, Hélio Pellegrino, Claudio de Mello e Souza, o Marinheiro Sueco ou a estagiária da PUC, que desfilava por entre as mesas da redação de O Globo com a leveza de uma sílfide e fazia perguntas definitivas. Dom Helder morreu e qualquer dia vira santo. Quem foi Gustavo Corção? Pergunte a qualquer um com menos de 60 e o fulano lhe dirá se tratar de um dos descobridores, do tempo de Cabral. Ficou perdido no tempo o grande pensador católico. Mas nem tudo mudou. Ainda há a esquerda festiva, que não sai dos bares da vida (ontem era o Antônio's, hoje é o Jobi ou o Bip-Bip) e segue longe do poder e do povo (o PT não é mais esquerda). Os atropelados seguem por ai, morrendo em cada esquina, mas não merecem mais a vela da piedade que por nada se apaga. Adultérios ainda abunbdam, mas raramente acabam em tiros ou pactos de morte, mas sim em processos e pensões. Hoje se mata pelos 58 milhões que um aleijado ganhou na mega-sena. Será que entraria num "A vida como ela é..."? Incesto, nem no teatro. Mas Suzane Richitofen está por ai a provar que o jovem imbecil tem cada vez mais poder. Poder até de matar os pais. Se estivesse vivo, com quase cem anos, Nelson veria que o poder jovem segue no poder. Cada vez mais busca-se a juventude. A qualquer preço. O que diria ele dos implantes de silicone, dos botoxes e dos lifts? Teria saudade dos Ruis Barbosas, septuagenários natos, que já nasceram de cartola e bengala. Hoje todo mundo quer usar bermuda e boné, ou cabelo espetado. E se assistisse ao BBB? Logo ele que reclamava da tristeza da nudez sem amor de Copacabana e do Carnaval da década de 60. Ficaria pasmo com tanto despudor. No Mário Filho, mais miope do que nunca, ainda se emocionaria com a torcida, que segue com algo de bovino no seu lerdo escoamento. Mas teria que aprender a conviver com as brigas e correrias, coisa muito rara no seu tempo de cadeiras especiais. E os craques? A convivência hoje é muito curta. Nem teria tempo de dar-lhes apelidos como Príncipe Etíope de Rancho (Didi), Possesso (Amarildo), Passarinho (Garrincha) e etc . Mas talvez Robinho fosse chamado de Príncipe da Vila, numa homenagem a Pelé, por ele apelidado de Rei. De Ronaldinho, quem sabe, dissesse que ele carrega a alegria do drible no sorriso dentuço. Já em 58, ele reclamava a presença do juiz ladrão, aquele que não teme nem o rapa. Pois Edilson Pereira de Carvalho o faria sorrir. Também reclamava dos idiotas da objetividade e do video-tape. O que diria do tira-teima e dos comentaristas de arbitragem? Que mataram o Sobrenatural de Almeida ou a leiteria tricolor. No teatro, mais angústia. Se o sujeito mais solitário é o autor, Nelson estaria cada vez mais só. Ninguém o monta, a não ser em colagens exdrúxulas. Mesmo 50 anos depois, seus personagens viscerais seguem muito densos e arriscados para os diretores de marquetingue das grandes empresas brasileiras, os verdadeiros ditadores do que se vê nas salas do país. Nelson Rodrigues não caberia no século 21, o século das metas, da gestão de pessoas e dos empreendedores. Morreu em 1980 porque sabia que não se encaixaria no mundo que estava surgindo. Um mundo onde nem num terreno baldio, com apenas uma cabra vadia a pastar ao longe, as pessoas tem a coragem de serem autênticas e de deixarem a mascara da imagem acima de tudo cair. Um mundo muito mais pobre, triste, violento e sem futuro. Um mundo onde o mineiro não é mais solidário nem no câncer.