31.3.08

Um sofá em Botafogo

O Atlético Mineiro completou 100 anos na semana passada. Esse blog é Rubro-Negro, como sabem. Mas mesmo assim cabe a homenagem. Minha primeira grande emoção no futebol, posso dizer, teve muito a ver com o Galo mineiro. A semifinal de 1987 ficou marcada na memória como uma batalha épica. Parabéns Galo, mesmo que freguês.
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Um Sofá em Botafogo

A criança está sentada junto com seu pai e seu irmão no sofá do apartamento da família em Botafogo. Parecem tão nervosos quanto os prisioneiros condenados à pena de morte que esperam pelo perdão de última hora.
Os seis olhos estão colados à TV. Na tela, o Mineirão se faz de inferno. Quase cem mil pessoas de preto e branco ensurdecem Belo Horizonte com gritos. Gaaalooooo!!!!! Gaaalooooo!!!! Gaaalooooo!!!!! Gaaalooooo!!!! Nesse universo caótico adentram onze homens vestindo o Rubro-Negro da afronta. A vaia vem sólida, pesada, cruel. Porém, aqueles homens parecem não se abalar.
Se eles não se abalam, a criança decide também que também não vai se impressionar com a pressão mineira. Sentada no sofá em Botafogo, ela sente que os onze homens vão vencer a multidão.
A vida é boa. Muito boa. Flamengo 1 x 0. Melhor ainda, gol de Zico. O craque eterno da nação vem carimbar com sua técnica a vitória carioca. Os mineiros silenciam.
Depois é Bebeto. Quase um garoto. Tão franzino que a torcida teme que um dia seja levado pelo vento ao subir para cabecear uma bola. Porém, Bebeto tem a cara do gol. O jeito do gol, entende de gol como poucos. Por cima, por baixo, pelo lado. Contra o Atlético é por baixo. Bebeto aproveita a falha da zaga para jogar a bola às redes. O goleiro João Leite não tem chance. Em Botafogo os vizinhos se assustam com os gritos da criança e seu irmão. O pai tenta sem muito sucesso manter a ordem.A criança já grita ao mundo que o Flamengo é raça e técnica. O Flamengo é a perfeição no futebol. Leda precipitação.
O segundo tempo traz as trevas. As tão temidas trevas. A criança prende a respiração ao ver o que ocorre em Belo Horizonte. Os dois gols do Atlético deixam a criança gélida e seu pai transtornado. Os gritos de adulto são contra os filhos e contra os onze homens que começam a se perder na capital de Minas. Uma pergunta enche a mente da criança. Será que o sonho acabou ? Outra. Será que os vilões vão prevalecer? As respostas vem a seguir.
Renato decide que não! A criança se enche de esperança. Renato pega a bola no meio campo. A criança roe as unhas. Renato tabela com Andrade, que devolve para Renato. O pai da criança berra alguma coisa e ela o manda se calar. Renato parte em arrancada. A criança fica em pé no sofá. Renato dribla o último zagueiro. A criança pula em cima do sofá. Renato passa pelo goleiro João Leite. A criança pula mais alto sem desgrudar os olhos da tela, uma mola ameaça estourar. Renato toca para o gol. A criança pula do sofá e se abraça com o irmão. Renato corre em direção a pequena torcida rubro-negra no Mineirão. A criança, seu pai e seu irmão estão ajoelhados e abraçados no centro da sala. Renato ajoelha-se em frente aos torcedores e chora envolto na sua própria paixão. O estádio se cala.
Ninguém acompanhou Renato. Ele foi rápido demais para todos. Somente a criança esteve ao lado do craque. Somente ela correu com o ponta, driblou com o ponta, tocou para o gol com o ponta e chorou no canto do campo com o ponta.
Flamengo três, Atlético dois. Flamengo classificado para a final da Copa União de 1987. Uma criança em êxtase num sofá em Botafogo.

Ivan Trindade

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Aqui o vídeocom os gols do jogo