21.9.10

A reunião em Higienópolis

Segunda-feira, 20 e setembro de 2010. Faltam duas semanas para as eleições presidenciais.

No apartamento do último andar da rua Albuquerque Lins, no bairro de Higienópolis, zona nobre da capital paulista, o ambiente é tenso.

José Serra, candidato do PSDB, patina nas pesquisas entre 23% e 27%, de acordo com os institutos de pesquisa. Enquanto isso, a adversária Dilma Rousseff, do PT, navega entre 51% e 54%, o que garante, no momento, a vitória no primeiro turno.

Cada participante da reunião convocada às pressas é recebido pelo candidato com um aperto de mão frio e um sorriso assustador. Serra é o retrato da sua campanha, assustado, irritado e sem rumo.

Na ampla sala do apartamento já estão Ali Kamel, diretor de jornalismo da Rede Globo; Reinaldo Azevedo, de Veja, o mais extremado opositor ao governo Lula; Eliane Cantanhede, colunista da Folha de São Paulo e esposa do marqueteiro do Serra, Luiz Gonzalez ; o cientista político Bolívar Lamounier, blogueiro da revista Exame e filiado ao PSDB; Mirian Leitão, jornalista da Rede Globo; Ricardo Noblat, colunista de O Globo,; e Arnaldo Jabor, ex-cineasta e colunista do Estado de São Paulo. Diogo Mainardi, colunista de Veja, participa via internet desde Veneza, Itália, onde se refugiou para não ser preso no Brasil, país onde é réu em diversos processos.

A reunião começa sem meias palavras. Serra abre os trabalhos.

- Amigos, a situação está grave. Faltam 14 dias e as pesquisas seguem mostrando derrota no primeiro turno. O que faremos? Os escândalos não surtiram efeito!

- É esse povo burro que não entende que só tem bandido no PT. É impressionante, a gente martela, martela, martela e a terrorista só sobe. – responde Azevedo.

- Serra, posso ser franco contigo? Porra, você errou demais. Colocar o Lula no seu programa de televisão?! Devia ter batido desde o início. Se fosse eu, a abertura do horário político seria com os escândalos dos oito anos do sapo barbudo. Abriria com Zé Dirceu, Valdomiro, Palocci, Mensalão, o caseiro Francenildo, o Lulinha, a porra toda. Tinha que ter batido sem trégua! – quase grita Jabor.

Serra olha para Eliane e tenta responder.

- O Lula tá com 80% de aprovação. Achamos, o Gonzalez achou que bater desde o início seria suicídio. Que tínhamos que separar o Lula da Dilma. Tentamos fazer isso.

- É, mas quando o Lula apareceu com a terrorista no primeiro programa, vocês deviam ter percebido que essa estratégia não ia colar. – retruca Noblat.

- Vamos pensar do início. Vocês tinham que ter reforçado o discurso de que tudo de bom que aconteceu no governo do Lula foi porque o governo FHC criou as condições. Tinham que ter colocado na TV imagens do Brasil antes do Real, da hiperinflação, mostrado imagens do PT e do Lula contra o Real, contra a responsabilidade fiscal. Tinham que ter mostrado, não adianta só falar. – aparta Lamounier.

Serra ouve impassível, com um meio sorriso no rosto. Fala de novo.

- Ok, já sabemos onde erramos. O que eu quero saber é o que pode ser feito daqui para frente? Ainda dá para levar para o segundo turno? Tem mais sujeira vindo por aí? Reinaldo?

- Zé, sujeira é o que não falta, mas já percebemos que o povo não liga para isso. O que o povão quer saber é do cartãozinho do Bolsa Esmola e da geladeira nova comprada em 30 prestações. Eles adoram um rouba mas faz! – analisa o colunista de Veja

- É, mas tem que haver algo que choque a opinião dos não petistas, daquele cara que vota na Dilma só porque o Lula mandou. Não tem alguma coisa cabeluda não? Porra, tem que ter! – retruca o tucano.

Os convivas se olham. Todos sabem que só há um assunto a ser discutido. A verdadeira bala de prata, a bomba que pode sim estremecer a campanha e o país. A Dilma assassina. Mas ninguém tem a iniciativa de tocar no assunto.

Mainardi, de Veneza, toma a palavra.

- Porra, que escrúpulos são esses. Vocês vão ficar assistindo esses petralhas ganharem mais quatro anos para pilharem o país?! Tem que usar tudo que tem. Tem que meter o depoimento de pai e mãe de um soldado morto pela machorra no Jornal Nacional do dia 2, sábado, para não dar tempo do PT responder.

- Mas não há nenhuma prova de que ela participou de nada. A gente tá em campo desde que o Lula a lançou e não achamos nada. Já até entrevistamos o cara que seguia ela em Porto Alegre na época da ditadura e ele disse que não viu nada. – aparta Eliane.

- É, mas temos que colocar isso no ar de qualquer forma. E, Kamel, não adianta capa da Veja, manchete do Estadão, o Globo ou Folha. Tem que ser 10 minutos de entrevista no final do JN, quando o povo já ligou para assistir a novela. – alerta Reinaldo.

- O espaço eu garanto, mas como vamos conseguir isso? Aqueles emails não são falsos? Não podemos colocar uma coisa completamente falsa no ar. Tem que ter pelo menos um fundo de verdade. – diz, cauteloso, o diretor da Globo.

- Isso é mole. O que não falta é ex-terrorista que ficou de fora da boquinha puto com o PT. Não viram o tal de Cesar Benjamin, que só de raiva disse que o Lula comeu um garoto na prisão? – lembra Noblat.

- É, porra, depois a gente bota a culpa no cara, que nos enganou, chama ele de mentiroso, ameaça processar e o caralho. Foda-se, o que a gente diz, tá dito. O importante é não deixar a sapata vencer a eleição! – exalta-se Azevedo.

- Os blogs sujos vão fazer a maior grita! Vai ser hilário! – vibra o ex-cineasta Jabor.

- Fodam-se eles, mamadores da viúva! – grita Mainardi.

Miriam Leitão, assustada, pergunta para o candidato tucano.

- Serra, você não acha que já seria demais isso? Você vai ligar a sua biografia e vida pública a essa baixaria?

Sem olhar para nenhum dos interlocutores, o candidato levanta a cabeça e diz, sereno.

- Eu me preparei a vida toda para ser presidente!

Foi dada a senha. Eles têm dez dias para preparar a reportagem. A idéia é usar a capa da Veja como estopim, explodir o caso no JN de sábado, 2 de outubro, e acordar o domingo da eleição com todos os jornais “mancheteando” a história. Não querem dar tempo para o eleitor respirar.

Antes de se despedirem, Reinaldo escreve algo num papel e passa para Ali. É a chamada de capa da próxima edição da revista. Kamel lê e passa ao redor da mesa. Serra é o último a ler. No papel está escrito:

Exclusivo! Pais de soldado revelam: “Dilma Rousseff metralhou nosso filho!”

Ele levanta a cabeça e sorri. O mesmo sorriso assustador com que recebeu a todos.


O TEXTO ACIMA É UMA FICÇÃO. QUALQUER SEMELHANÇA COM A REALIDADE É MERA COINCIDÊNCIA.