10.10.07

Dois textos

Queria ser Clarah Averbuck

Quis escrever um conto sujo. Cheio de imundice, de escrotidão. Um relato cru e direto. Um soco no estômago do leitor. Quis contar meus podres, mostrar o quanto sou fétido e imoral. Quis falar dos meus porres, dos meus erros, dos meus bofes. De quando dormi com os ratos, entre baratas, no meio do lixo. Quis expor meus cancros, meus cânceres, expressar meus ódios. Quis porque sei que o vil vende, atrai, purifica. Sei que ia ser um sucesso, um best-seller. Quem não gosta de mundo cão? Então examinei, busquei fundo, olhei bem em cada canto da minha vida. E não achei nada. Descobri que sou um ridículo menininho de classe média, filhinho de papai e mamãe. Formado em boa escola, com todos os dentes, intercâmbio no exterior, namorada certa. Transo sempre de camisinha. Já abracei a Lagoa, fui voluntário, trabalhei em ONG. Sou certinho, bonitinho, direitinho. Minha vida não vende. Nunca traí, nunca matei, não vomitei na sarjeta nem tive minha cara lambida por um cão sarnento. Talvez, quem sabe, numa outra vida volto mais sórdido, mais sujo e ai fico rico.
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Caetano e meu pai

Meu pai não gosta do Caetano
Quando Caetano canta
Quando Caetano dança
Meu pai não gosta
Meu pai não canta
Quase não dança
Não tanto quanto o Caetano

Meu pai e Caetano se parecem
Têm quase 70 e juntos envelhecem
Ao ver Caetano, lembro meu pai
Os dois quase iguais
Tão opostos
Tão mortais.
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(I.A.T., 10/10/07)