15.2.07

Breves encontros urbanos

Escada rolante
Ela descendo, ele subindo
Disse um gracejo
Ela sorriu
Mas nunca mais a viu
***
Na rua
Ela na calçada, ele no carro
Linda, de vestido branco
Meio hippie
Ele desacelerou e passou olhando
Ela, só de canto de olho, respondeu
Chegou a ter medo
Reduziu o passo
Ele quase parou
Quando ia falar, alguém buzinou
***
Na loja
Escolhendo calcinhas
Leve três, pague duas
Ela: "Não consigo achar um jogo com uma azul, uma amarela e uma rosa."
Ela nem respondeu
Levantou levemente os olhos e corou
Ela sorriu, ninguém cora mais
***
Na livraria. Seção de política.
Ela vinha da esquerda para a direita
Ele vinha da direita para a esquerda
Como não poderia deixar de ser, se encontraram no centro
Duas mãos no mesmo livro
O Príncipe, de Maquiavel
Ele: "Desculpa, pode pegar."
Ela agradeceu, sorriu e foi se sentar numa poltrona logo ali perto
Ele pegou A República, de Platão, e se sentou ao lado
Viveram dois anos juntos
***
No estacionamento
Quando ele chegou, ela já estava lá
Cabelos longos e vermelhos
De costas, falava ao celular
Não o viu, nunca se virou
Ele tossiu, bateu a porta do carro forte (quase empenou)
Pensou até em buzinar
Mas desistiu
Melhor só imaginar
E se foi feliz
***
Na praia
Ele decidiu: "Chega de sol." E levantou
Quando chegou no carro, voltou: "Cadê os documentos?"
Já na areia, tome a procurar
E, então, sem ele pedir, ela se levantou e passou a procurar também
E assim ficaram os dois andando de um lado para o outro
Hoje têm dois filhos
Clara e Rafael.
***
Na sala de aula
Ele, atrás dela, é torturado
A sua frente, a nuca e poucos fios pendurados
Os que escaparam da asfixia do coque
Ainda, um fio de ouro e duas grandes argolas de prata
Uma em cada orelha
Afinando o olfato, ele sente um leve perfume
De início de tarde
Uma vontade de beijar
Assim um beijo grande, molhado
Naquela nuca
Mas se controlou.
***
Na academia
Duas esteiras, lado-a-lado
Ele começou andando, depois
Ele, que estava antes, já corria
O primeiro olhar foi a 4km/h
A 5,5 Km/h, suor e novo olhar
Ele, que já estava antes, desacelerou
Ele, que veio depois, seguiu
Mas quase perdeu o passo.
***
No ônibus
Ela já vinha sentada
Na janela, ao fundo
Ele, no ponto, fez sinal
Subiu, roleta, pagou e pegou o troco
Depois das moedas, o olhar
Ao lado dela, o vazio
Entre os dois, muita gente em pé
Foi andando, valente, apesar dos solavancos
Pisou num pé, esbarrou em três bundas, mas chegou
Quando lá, suado mas feliz, uma senhora sentou
Ah! Pânico! Mas ficou ali, olhando de cima
Pára e segue, pára e segue, pára
A senhora levantou
Sentou-se
Agora, tudo estava certo
Seus joelhos, suas coxas, seus pulsos, seus ombros, seu perfume
- Oi!, e se jogou no abismo
Ela abandonou a paisagem, mas não sorriu
- Oi, e aqui termina o começo
Já no meio, desceram juntos
O fim está por vir.

9.2.07

Bandidos arrastaram até a morte um menino de 6 anos no Rio

É O FIM! ESSA CIDADE ACABOU!

It´s Suntory time!









De tempos em tempos é preciso assistir Bill e Scarlett no filme de Sofia. Perfeito.

8.2.07

Lendo Nelson...



...descobre-se que no Brasil de hoje quase ninguém morre de amor ou tuberculose. Não se vêem mais chapeus nem virgens que deram um mal passo. Quando foi a última vez que você viu um rubor? Ou alguém se arremessar? Depois de Brasil e França, em julho último, ninguém se sentou no meio fio, a chorar lágrimas de esguicho. Estamos todos um pouco mais canalhas, como o Palhares, que não perdoava nem a própria cunhada. Ah, que falta nos faz suas obsessões. Seus personagens. Onde foram parar Oto Lara, Hélio Pellegrino, Claudio de Mello e Souza, o Marinheiro Sueco ou a estagiária da PUC, que desfilava por entre as mesas da redação de O Globo com a leveza de uma sílfide e fazia perguntas definitivas. Dom Helder morreu e qualquer dia vira santo. Quem foi Gustavo Corção? Pergunte a qualquer um com menos de 60 e o fulano lhe dirá se tratar de um dos descobridores, do tempo de Cabral. Ficou perdido no tempo o grande pensador católico. Mas nem tudo mudou. Ainda há a esquerda festiva, que não sai dos bares da vida (ontem era o Antônio's, hoje é o Jobi ou o Bip-Bip) e segue longe do poder e do povo (o PT não é mais esquerda). Os atropelados seguem por ai, morrendo em cada esquina, mas não merecem mais a vela da piedade que por nada se apaga. Adultérios ainda abunbdam, mas raramente acabam em tiros ou pactos de morte, mas sim em processos e pensões. Hoje se mata pelos 58 milhões que um aleijado ganhou na mega-sena. Será que entraria num "A vida como ela é..."? Incesto, nem no teatro. Mas Suzane Richitofen está por ai a provar que o jovem imbecil tem cada vez mais poder. Poder até de matar os pais. Se estivesse vivo, com quase cem anos, Nelson veria que o poder jovem segue no poder. Cada vez mais busca-se a juventude. A qualquer preço. O que diria ele dos implantes de silicone, dos botoxes e dos lifts? Teria saudade dos Ruis Barbosas, septuagenários natos, que já nasceram de cartola e bengala. Hoje todo mundo quer usar bermuda e boné, ou cabelo espetado. E se assistisse ao BBB? Logo ele que reclamava da tristeza da nudez sem amor de Copacabana e do Carnaval da década de 60. Ficaria pasmo com tanto despudor. No Mário Filho, mais miope do que nunca, ainda se emocionaria com a torcida, que segue com algo de bovino no seu lerdo escoamento. Mas teria que aprender a conviver com as brigas e correrias, coisa muito rara no seu tempo de cadeiras especiais. E os craques? A convivência hoje é muito curta. Nem teria tempo de dar-lhes apelidos como Príncipe Etíope de Rancho (Didi), Possesso (Amarildo), Passarinho (Garrincha) e etc . Mas talvez Robinho fosse chamado de Príncipe da Vila, numa homenagem a Pelé, por ele apelidado de Rei. De Ronaldinho, quem sabe, dissesse que ele carrega a alegria do drible no sorriso dentuço. Já em 58, ele reclamava a presença do juiz ladrão, aquele que não teme nem o rapa. Pois Edilson Pereira de Carvalho o faria sorrir. Também reclamava dos idiotas da objetividade e do video-tape. O que diria do tira-teima e dos comentaristas de arbitragem? Que mataram o Sobrenatural de Almeida ou a leiteria tricolor. No teatro, mais angústia. Se o sujeito mais solitário é o autor, Nelson estaria cada vez mais só. Ninguém o monta, a não ser em colagens exdrúxulas. Mesmo 50 anos depois, seus personagens viscerais seguem muito densos e arriscados para os diretores de marquetingue das grandes empresas brasileiras, os verdadeiros ditadores do que se vê nas salas do país. Nelson Rodrigues não caberia no século 21, o século das metas, da gestão de pessoas e dos empreendedores. Morreu em 1980 porque sabia que não se encaixaria no mundo que estava surgindo. Um mundo onde nem num terreno baldio, com apenas uma cabra vadia a pastar ao longe, as pessoas tem a coragem de serem autênticas e de deixarem a mascara da imagem acima de tudo cair. Um mundo muito mais pobre, triste, violento e sem futuro. Um mundo onde o mineiro não é mais solidário nem no câncer.

6.2.07

Dez anos de silêncio ( e de um Brasil mais burro)













"Sempre que vejo algum favelado em filme brasileiro tenho vontade de sair gritando: 'É um santo! É um santo!' (...) Pobre é escroto, primitivo e infantil."

" No Brasil simplesmente não se tem conhecimento do empirismo. (...) Pensamos com valores prefixados e imutáveis."

" A melhor propaganda anticomunista é deixar os comunistas falarem."

" O capitalismo é incorrigível, o comunismo é intolerável."

" Cinema é a primeira cena, a primeira imagem."

" Tudo o que é científico acaba furado, o que o leitor pode chamar de teorema de Paulo Francis."

" A televisão é a força mais subversiva da nossa sociedade, ainda que inconscientemente."

"O subdesenvolvido não tem memória"

"O homem deve ser decente, digno, inteligente. E bonito. E alto."

5.2.07

Rodriguiano












Sinto-me múmia, com todos os achaques de múmia!