23.9.10

Ato contra o Golpe Midiático

O Ato contra o Golpismo Midiático foi realizado no início da noite desta quinta-feira, 23 de setembro de 2010. Organizado pelo Centro de Estudos da Mídia Independente Barão de Itararé, o ato reuniu no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo representantes de diversas entidades do movimento social, entre os quais a CUT, MST, CTTB e partidos políticos como o PCB, PT, PDT e PSB. Abaixo, as melhores imagens do evento. Fotos Ivan Trindade.



























Marcadores: , , ,

21.9.10

A reunião em Higienópolis

Segunda-feira, 20 e setembro de 2010. Faltam duas semanas para as eleições presidenciais.

No apartamento do último andar da rua Albuquerque Lins, no bairro de Higienópolis, zona nobre da capital paulista, o ambiente é tenso.

José Serra, candidato do PSDB, patina nas pesquisas entre 23% e 27%, de acordo com os institutos de pesquisa. Enquanto isso, a adversária Dilma Rousseff, do PT, navega entre 51% e 54%, o que garante, no momento, a vitória no primeiro turno.

Cada participante da reunião convocada às pressas é recebido pelo candidato com um aperto de mão frio e um sorriso assustador. Serra é o retrato da sua campanha, assustado, irritado e sem rumo.

Na ampla sala do apartamento já estão Ali Kamel, diretor de jornalismo da Rede Globo; Reinaldo Azevedo, de Veja, o mais extremado opositor ao governo Lula; Eliane Cantanhede, colunista da Folha de São Paulo e esposa do marqueteiro do Serra, Luiz Gonzalez ; o cientista político Bolívar Lamounier, blogueiro da revista Exame e filiado ao PSDB; Mirian Leitão, jornalista da Rede Globo; Ricardo Noblat, colunista de O Globo,; e Arnaldo Jabor, ex-cineasta e colunista do Estado de São Paulo. Diogo Mainardi, colunista de Veja, participa via internet desde Veneza, Itália, onde se refugiou para não ser preso no Brasil, país onde é réu em diversos processos.

A reunião começa sem meias palavras. Serra abre os trabalhos.

- Amigos, a situação está grave. Faltam 14 dias e as pesquisas seguem mostrando derrota no primeiro turno. O que faremos? Os escândalos não surtiram efeito!

- É esse povo burro que não entende que só tem bandido no PT. É impressionante, a gente martela, martela, martela e a terrorista só sobe. – responde Azevedo.

- Serra, posso ser franco contigo? Porra, você errou demais. Colocar o Lula no seu programa de televisão?! Devia ter batido desde o início. Se fosse eu, a abertura do horário político seria com os escândalos dos oito anos do sapo barbudo. Abriria com Zé Dirceu, Valdomiro, Palocci, Mensalão, o caseiro Francenildo, o Lulinha, a porra toda. Tinha que ter batido sem trégua! – quase grita Jabor.

Serra olha para Eliane e tenta responder.

- O Lula tá com 80% de aprovação. Achamos, o Gonzalez achou que bater desde o início seria suicídio. Que tínhamos que separar o Lula da Dilma. Tentamos fazer isso.

- É, mas quando o Lula apareceu com a terrorista no primeiro programa, vocês deviam ter percebido que essa estratégia não ia colar. – retruca Noblat.

- Vamos pensar do início. Vocês tinham que ter reforçado o discurso de que tudo de bom que aconteceu no governo do Lula foi porque o governo FHC criou as condições. Tinham que ter colocado na TV imagens do Brasil antes do Real, da hiperinflação, mostrado imagens do PT e do Lula contra o Real, contra a responsabilidade fiscal. Tinham que ter mostrado, não adianta só falar. – aparta Lamounier.

Serra ouve impassível, com um meio sorriso no rosto. Fala de novo.

- Ok, já sabemos onde erramos. O que eu quero saber é o que pode ser feito daqui para frente? Ainda dá para levar para o segundo turno? Tem mais sujeira vindo por aí? Reinaldo?

- Zé, sujeira é o que não falta, mas já percebemos que o povo não liga para isso. O que o povão quer saber é do cartãozinho do Bolsa Esmola e da geladeira nova comprada em 30 prestações. Eles adoram um rouba mas faz! – analisa o colunista de Veja

- É, mas tem que haver algo que choque a opinião dos não petistas, daquele cara que vota na Dilma só porque o Lula mandou. Não tem alguma coisa cabeluda não? Porra, tem que ter! – retruca o tucano.

Os convivas se olham. Todos sabem que só há um assunto a ser discutido. A verdadeira bala de prata, a bomba que pode sim estremecer a campanha e o país. A Dilma assassina. Mas ninguém tem a iniciativa de tocar no assunto.

Mainardi, de Veneza, toma a palavra.

- Porra, que escrúpulos são esses. Vocês vão ficar assistindo esses petralhas ganharem mais quatro anos para pilharem o país?! Tem que usar tudo que tem. Tem que meter o depoimento de pai e mãe de um soldado morto pela machorra no Jornal Nacional do dia 2, sábado, para não dar tempo do PT responder.

- Mas não há nenhuma prova de que ela participou de nada. A gente tá em campo desde que o Lula a lançou e não achamos nada. Já até entrevistamos o cara que seguia ela em Porto Alegre na época da ditadura e ele disse que não viu nada. – aparta Eliane.

- É, mas temos que colocar isso no ar de qualquer forma. E, Kamel, não adianta capa da Veja, manchete do Estadão, o Globo ou Folha. Tem que ser 10 minutos de entrevista no final do JN, quando o povo já ligou para assistir a novela. – alerta Reinaldo.

- O espaço eu garanto, mas como vamos conseguir isso? Aqueles emails não são falsos? Não podemos colocar uma coisa completamente falsa no ar. Tem que ter pelo menos um fundo de verdade. – diz, cauteloso, o diretor da Globo.

- Isso é mole. O que não falta é ex-terrorista que ficou de fora da boquinha puto com o PT. Não viram o tal de Cesar Benjamin, que só de raiva disse que o Lula comeu um garoto na prisão? – lembra Noblat.

- É, porra, depois a gente bota a culpa no cara, que nos enganou, chama ele de mentiroso, ameaça processar e o caralho. Foda-se, o que a gente diz, tá dito. O importante é não deixar a sapata vencer a eleição! – exalta-se Azevedo.

- Os blogs sujos vão fazer a maior grita! Vai ser hilário! – vibra o ex-cineasta Jabor.

- Fodam-se eles, mamadores da viúva! – grita Mainardi.

Miriam Leitão, assustada, pergunta para o candidato tucano.

- Serra, você não acha que já seria demais isso? Você vai ligar a sua biografia e vida pública a essa baixaria?

Sem olhar para nenhum dos interlocutores, o candidato levanta a cabeça e diz, sereno.

- Eu me preparei a vida toda para ser presidente!

Foi dada a senha. Eles têm dez dias para preparar a reportagem. A idéia é usar a capa da Veja como estopim, explodir o caso no JN de sábado, 2 de outubro, e acordar o domingo da eleição com todos os jornais “mancheteando” a história. Não querem dar tempo para o eleitor respirar.

Antes de se despedirem, Reinaldo escreve algo num papel e passa para Ali. É a chamada de capa da próxima edição da revista. Kamel lê e passa ao redor da mesa. Serra é o último a ler. No papel está escrito:

Exclusivo! Pais de soldado revelam: “Dilma Rousseff metralhou nosso filho!”

Ele levanta a cabeça e sorri. O mesmo sorriso assustador com que recebeu a todos.


O TEXTO ACIMA É UMA FICÇÃO. QUALQUER SEMELHANÇA COM A REALIDADE É MERA COINCIDÊNCIA.

18.9.10

As fotos na sala da minha vó

Na parede principal da sala do apartamento da minha avó Nayde, em Copacabana, havia duas fotos. Uma de Getúlio Vargas e outra de Leonel Brizola. Meu avô Renato tinha ciúme, mas não falava nada. Em 1982, eu tinha 6 anos e não lembro de muita coisa. Lembro de andar pelas ruas de Copa com uma bandeira gigante do PDT, duas na verdade, que minha avó havia ganho num comício. Saíamos do Posto 6 e andávamos até o Leme, onde montávamos guarda até que o gaúcho saísse na janela para saudar seus eleitores e seguidores. Daquela eleição, lembro também das sobrancelhas de Moreira Franco e de entrar na cabine de votação com a minha mãe e marcar a cédula para Leonel Brizola. Ela votava no prédio de Furnas, em Botafogo, onde acho que vota até hoje. Com essas mesmas bandeiras, fomos ao comício das Diretas Já, na Candelária, em 1984.
Minha mãe herdou a paixão da minha vó pelo governador. Uma vez, no Rio Sul, deu um ataque com um vendedor de um stand de artigos para mágicas que oferecia um cocô de cachorro falso apelidado de Brizola. Lembro dos seus gritos de indignação e da cara de espanto do rapaz. Dona Lourdes foi mais do que apenas eleitora. Filiada ao PDT, participava de reuniões do partido sobre educação. Fui a algumas dessas reuniões com ela. Quase nada ficou na memória, a não ser o nome Caó, líder dos encontros. Foi lá também que ouvi pela primeira vez a expressão que me segue até hoje. Ouvi alguem ser chamado de companheiro. Esse tratamento, tão típico da esquerda, entrou em meu mundo naquelas reuniões da década de 80.
Mas minha mãe fez mais. Professora do Estado, participou do grupo de implantação dos CIEPs (que o povo logo apelidou de Brizolões), idéia brilhante do gênio Darcy Ribeiro. O CIEP 01 se chama Tancredo Neves e fica no bairro do Catete, a metros do palácio onde o presidente Vargas se suicidou. Em 1986, era lá que minha mãe trabalhava como coordenadora. Muitas vezes saí do meu colégio São Vicente de Paulo para passar a tarde no CIEP. Ficava na biblioteca, filava o almoço e jogava bola. Em 1986, perdi minha primeira eleição. Darcy Ribeiro foi derrotado por Moreira, segundo muitos com fraude patrocianda pela Globo, que já tinha tentado o mesmo em 1982, contra Brizola.
Encontrei Brizola pessoalmente pela primeira e única vez no centro do Rio. Minha mãe descobriu que Daniel Ortega, então presidente da Nicarágua e líder dos Sandinistas, estava na cidade e que daria palestra junto com o gaúcho. Não conseguimos entrar para assistir, mas ficamos na porta e, quando os dois saíram, Dona Lourdes me jogou para cima do governador. Ganhei um afago na cabeça e um sorriso. Não lembro em que ano isso aconteceu.
Em 1987 fui a Cuba. A família toda. Depois de passar pelo Perú, onde fomos a Machu Pichu, pegamos um avião até a Cidade do Panamá. Lá, embarcamos em um avião russo da Cubana de Aviacion. Da ilha, ficaram a piscina do Habana Riviera, com a plataforma de 10 metros, os almoços de peixe a milanesa, a praia de Varadero, o odor e o gosto do charuto que meu pai comprou no saguão do hotel, o mesmo odor da fábrica de puros que visitamos, e a Bodeguita Del Medio. Uma noite, meu irmão Júlio passou mal e foi de ambulância para o hospital. Lembro do meu pai dizendo que turistas eram os únicos que precisavam pagar pelo atendimento médico.
Mais dois anos passaram e chegamos a 1989. Eu já tinha 13 anos. No São Vicente de Paulo, colégio de tradição progresista, cujos padres deram refúgio nos porões da escola a prerseguidos pela ditadura militar, anadava de lenço vermelho no pescoço, marca da campanha de Brizola. Foi também no São Vicente que conheci uma nova e futuramente poderosa entidade da política brasileira: o petista. O professor de história da 6a série se chamava Edson, um gordinho com bigode amarelo de cigarro. Inocente, insolente e brizolista, numa discussão sobre as eleições para presidente repeti para ele aquela ladainha de que Lula não poderia ser presidente pois não tinha estudado. Levei um dos grandes sermões da minha vida.
A primeira eleição para presidente em 30 anos ficou na memória também pelos debates na televisão. No primeiro turno não houve alianças e todos os partidos lançaram candidatos próprios. A eleição de 1989 foi uma antologia de grandes figuras políticas como nunca mais haverá, tanto para o bem quanto para o mal. Concorreram Brizola, Lula, Ulisses, Aureliano, Maluf, Covas, Freire, Afif, Caiado e o neófito Collor, que se recusou a participar dos debates. O gaúcho brilhou ao chamar Maluf, Caiado e outros de filhotes da ditadura e também quando, no último debate antes do primeiro turno, pediu, emocionado, para que o eleitor votasse em qualquer um dos candidatos que ali estavam, mas não votasse em Collor, para ele um candidato fabricado pela Globo e pela Veja. Para variar, estava certo.
No segundo turno, me emocionei com o Lula-lá! Fui aos comícios no Rio, mais uma vez com as bandeiras do PDT de minha avó. Chorei com a vitória de Collor e com a escrotidão da Globo. Logo depois, porém, lembro que ri muito ao ver o vizinho do apartamento de baixo, um médico collorido, que entrou em desespero ao ver seu dinheiro todo confiscado pela Zélia. Brizola estava certo de novo.
Três anos depois, aos 16, estava nas ruas, para derrubar o corrupto Collor. Estudante do São Vicente, justo a ex-escola do presidente, vivia a ebulição da adolescência e da unanimidade contra os bandidos. Dessa vez, Brizola foi contra a maré e pagou por isso pelo resto da vida política. Hoje, olhando melhor, talvez não estivesse totalmente errado. Não é difícil avaliar que o povo embarcou numa onda de moralidade que levou a um golpe de estado articulado pela grande mídia.
Votei pela primeira vez em 1994, para presidente. Dona Lourdes e Dona Nayde seguiam fieis a Brizola e as discussões em casa ficaram quentes. De um lado, a velha esquerda dos caudilhos, do outro, a nova, de Lula e o PT. Essa divisão e o impulso do Plano Real derrotaram a esquerda mais uma vez. FHC estava eleito.
Quatro anos depois, em meio a muitos "Fora FHC", que vendia o país e comprava deputados para conseguir a reeleição, nova derrota. A partir desse ano, porém, minha vida passou a ser ligada, mais uma vez, ao estado de Brizola. Depois de muitas idas e vindas em 98, finalmente o amor me levou ao Rio Grande do Sul em março de 1999. Em Porto Alegre, encontrei o PT forte, governando o Estado, com Olívio Dutra, e a capital, com Raul Pont.
Confesso que os primeiros dois anos de vida gaúcha não foram de engajamento. Em 2000, houve a campanha vitoriosa para eleger Tarso Genro prefeito de Porto Alegre. Em 2002, porém, a briga seria maior. Era preciso eleger o sucessor de Olívio no governo do Estado e Lula presidente. As duas campanhas foram exemplos, novamente para o bem e para o mal. No RS, o PT fez tudo errado. O carismático governador Olívio foi preterido em sangrenta primária interna e Tarso ganhou a vaga, deixando a prefeitura, o que tinha prometido em campanha não fazer. Os gaúchos puniram a falta de palavra e com a ajuda maciça da RBS, Germano Rigotto foi eleito. No país, por outro lado, o partido fez tudo certo e Lula finalmente afinou o discurso e conseguiu se comunicar com o povo, aproveitando também o desgaste do governo FHC. Estava eleito o primeiro presidente operário do país.
E, então, veio o Fórum Social Mundial. Em janeiro de 2003, com Lula recém eleito e Bush a ponto de invadir o Iraque, estar em Porto Alegre era estar no lugar certo na hora certa. A proposta de um outro mundo possível, dois anos após o ataque às torres do WTC, soou como música para a esquerda do mundo todo. Na terceira edição do FSM, criado em 2001, marchou-se, palestrou-se, protestou-se, propos-se, queimou-se fazenda da Monsanto e uns até quebraram um McDonalds. No geral, nada mudou, mas foi bom. Ainda em 2003, crise no PT, com a saída dos chamados radicais liderados por Heloísa Helena.
Fazia-se política também na PUCRS, onde cursava jornalismo. Em 2004, o DCE da universidade estava tomado pela direita, com acusações de intimidações, desvio de verbas e outros escândalos. Lutou-se, fez-se passeatas, ocupou-se o campus por 8 dias (os companheiros que lá estavam foram atacados brutalmente na calada da noite) e levou-se a questão até a Assembléia Legislativa Gaúcha. Perdemos e os bandidos, tenho impressão, seguem lá. Para terminar, em outubro, Raul Pont perdeu a eleição para a prefeitura de Porto Alegre. O que era só festa quando cheguei, tinha virado só lamento.
Durante quase todo o meu período na capital gaúcha, trabalhei na Rádio Gaúcha, da RBS. Se ali fiz amigos, alguns que mantenho até hoje, foi ali também que presenciei os primeiros casos claros de manipulação de noticias. Lembro de matéria do repórter Cid Martins sobre a Brigada Militar que foi ao ar num sábado e nunca mais, vetada pela direção amiga do comandante da BM e do governador Rigotto. Não esqueço também da redatora Silvia Caviccioli, demitida sumariamente por ter errado uma quantia numa nota que atacava o PT. Tornou milhões o que eram milhares e virou bode expiatório.
Deixei Porto Alegre em fevereiro de 2005, voltando para o Rio de Janeiro. No estado fluminense, da velha política, havia sobrado apenas o populismo inspirado em Brizola. O casal Garotinho, primeiro Anthony e depois Rosinha, dominava o governo do estado desde 1998, quando votei em Garotinho para governador, do que até hoje me arrependo. O PT, como sempre, não existia no Rio, agora acoplado aos nefastos campistas. Na sucessão desse governo, já em 2006, lançou Vladimir Palmeira, que não pasou para o segundo turno. Para presidente, Lula até passou um susto no final do 1o turno, mas depois navegou para derrotar Geraldo Alckmin.
Cheguei em São Paulo em janeiro de 2008. Na eleição para prefeito, em outubro, justifiquei. A política parecia longe. Até me peguei com uns pensamentos reacionários.
Mas, então, veio 2010. Lula lançou Dilma, a direita insistiu com José "Vampiro da Mooca" Serra e a grande mídia escolheu seu lado, como não poderia deixar de ser. Este ano, porém, há uma diferença. Um emaranhado de blogs brilhantes fazem o contraponto democrático à manipulação.
A vitória tudo indica, virá. Serão mais quatro anos de governo popular. Quando for votar, no dia 3 de outubro, lá na rua Capote Valente, vou lembrar dos dois retratos na parede da minha avó. Nada mais apropriado, já que Dilma, por acaso, veio do PDT.
Ivan Trindade

Marcadores: , , , , , , , ,